Mais doiradas do que o sol,
carregadas de amor e pão,
dizem adeus à terra seca.
Levam consigo a saudade
do meu carinho e afeição.

Lembro as tardes quentes de verão, no Alentejo, nos meus tempos de criança e jovem, quando um bom “gaspacho” nos deliciava e refrescava.

Lembro as saborosas “açordas” comidas em qualquer época do ano, acompanhadas de umas grossas azeitonas ou uns bons figos madurinhos.

Lembro o “ensopado de cabrito” na altura da Páscoa.

Lembro as gostosas “migas” feitas com a gordura do toucinho frito e acompanhadas com deliciosas costeletinhas de porco, também fritas em azeite puro das nossas oliveiras.

E qual a razão de tantas lembranças?

A principal prende-se ao facto de o alimento fundamental usado em todos estes “Pratos típicos Alentejanos” ser o “PÃO”, o nosso alvo e tão apreciado, pão de trigo.

Os tempos mudam e com eles se mudam as vontades, os interesses e até os costumes vão ficando arrumados em gavetas fechadas, mas que, de vez em quando, nos lembramos de abrir, talvez para arejarem e nos trazerem à memória, recordações dos tempos que vivemos, do que vimos à nossa volta, do sentir da nossa gente.

Com a situação dramática que todos os dias chega aos nossos ouvidos e aos nossos olhos, vamo-nos apercebendo de realidades que até agora passavam despercebidas e não tinham grande impacto no nosso dia-a-dia.

A Guerra da Ucrânia tem-nos alertado para os perigos que ameaçam o mundo, sendo a fome, talvez, a maior desgraça que poderá matar muito mais seres humanos do que uma guerra.

Sabemos que a Ucrânia é um dos grandes produtores de cereais que alimentam o mundo. Ao serem impedidas as exportações, pelo invasor, toda a humanidade poderá sentir a falta de trigo, milho, girassol e seus derivados, sendo possivelmente, as regiões mais pobres do mundo, a sofrerem o maior impacto e a enfrentarem o drama da morte, por falta de alimentos.

Perante tais notícias, o meu pensamento foi buscar à tal gaveta das memórias, as recordações do tempo em que os campos da minha Aldeia eram semeados de trigo, aveia, centeio e cevada, que nesta altura do ano já estavam ceifados e guardados nos grandes silos, construídos junto à estação de caminho-de-ferro, para esses cereais seguirem para as moagens e se transformarem em farinhas. Eram a garantia da alimentação da população e dos animais.

espigas

Espigas e Papoilas

Rubro, do mais rubro sangue,
na face sedutora da ceifeira,
lábios sedentos de beijos,
morena, de pele trigueira.

Na seara por colher, ainda,
há espigas e papoilas.
Ouvem-se lindas cantigas,
nas vozes frescas das moçoilas.

Alentejo é assim,
terra de sol e de pão,
que guardo dentro de mim!

De tão longe, o meu abraço
se estende para ti,
meu amado Alentejo, onde nasci!

Lembro-me que, no dia 10 de junho, dia da Feira da Aldeia, nos terrenos circundantes da minha casa, o restolho ainda alto, tinha que ser pisado, pois era aí que se instalavam as barracas com todo o tipo de negócios, desde a venda de gado, à venda de louças, doçarias, não faltando o torrão branco, as gemas de ovos e o sempre apreciado brinhol, as bebidas, quando ainda não havia coca-cola e o pirolito era rei, para além das diversões como o circo, o carrocel, as meias luas e o poço da morte.

Eram tempos em que o povo, apesar de ser mal pago, no seu trabalho, tinha trabalho. Só quem se desse à preguiça ficava em casa. As condições de uma vida de pobres não era sinónimo de tristeza. As pessoas procuravam a sua sobrevivência com inteligência e aproveitando o pouco que tinham, dando-lhe valor.

Todo esse viver ficará para sempre gravado nas canções cantadas logo ao amanhecer, quando saíam para as ceifas, às 4 da madrugada, para pegarem ao trabalho, enquanto o sol lhes permitisse, porque as temperaturas assim o exigem, ainda hoje. Isso não mudou, embora os trabalhadores tenham horários diferentes.

A situação nos campos do Alentejo mudou, radicalmente, nos últimos anos. Os campos de cultivo de cereais foram ocupados por olivais, na sua maioria, explorados por empresários estrangeiros. É certo que Portugal está na vanguarda, no fabrico de azeite, criando lugar de prestígio nos mercados, mas passou a depender do estrangeiro na compra de cereais.

Se esta terrível guerra continuar, sem se imaginar, por quanto tempo e a Rússia impedir a exportação de milhões de toneladas de cereais da Ucrânia, ou se os roubar, como se consta que o está fazendo, o mundo enfrentará uma grave crise de fome e os povos mais pobres serão os mais afetados.

Será que todas as mudanças nos levam ao verdeiro progresso e bem-estar de todos?

Graça Foles Amiguinho

Graça Foles Amiguinho

Colaboradora Portuguesa

“Son Maria de Graça Foles Amiguinho Barros. Vivo en Vila nova de Gaia, pero nascín no Alentejo, nunha aldeia pequena chamada A Flor do Alto Alentejo.

Estudei en Elva. Fiz maxisterio en Portoalegre. Minha vida foi adicada ao ensino durante 32 anos, aos meus alumnos ensineilles a amar as letras, o país, as artes e a cultura. 

Meu começo coa poesia aconteceu de xeito dramático cando partin os dous braços, en 2004 comecei a escribir poesia compulsivamente, en 2005 xa tiña o primero libro editado  O meu sentir…”

Alentejo solidário

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