A Renascença Portuguesa e a Geração NÓS. As relações culturais luso-galegas no início do século passado
No seu estudo sobre a “Renascença Portuguesa e a Geração NÓS”, assim intitulado, publicado em Novembro de 2023, onde demonstra, factual e documentalmente, a estreita relação «entre a “Renascença Portuguesa” e a Geração Nós por via da Saudade», Paulo Samuel refere um artigo de Ramón Piñeiro publicado na Nova Renascença, em que este «Professor galego reafirma, na esteira de outras interpretações semelhantes, que a revista Nós foi ‘o verdadeiro órgano galeguizador da nossa cultura’ e é indiscutível que os ‘homes do grupo Nós assimilaron bem os ideais do grupo português de ‘A Águia’, mantiveron relación e amistade com eles e sentiron profunda devoción por Teixeira de Pascoaes».
Trata-se, no fundo, da história de uma amizade que envolveu pessoas, um país e uma região, duas culturas naquilo que possuem de diferente e que têm de semelhante.
Continua Paulo Samuel a citar, desta vez José Augusto Seabra: “O largo movimento que desde o ‘Rexurdimento’ às ‘Irmandades da Fala’ e destas a Nós, fez redespertar a Galiza para a consciência de si, correspondeu bem, mutatis mutandis, ao mesmo impulso patriótico que esteve na génese d’A Águia e da ‘Renascença Portuguesa’ “.
Nós, que como os galegos melhor sabem que os portugueses, é um boletim mensal de cultura surgido em 1920, impresso em Ourense, e com direcção literária de Vicente Risco, teve entre os seus fiéis colaboradores, para além dos galegos, o português Teixeira de Pascoaes.
Entre os colaboradores da revista há «saudosistas ou futuristas, clássicos ou modernos, institucionalistas ou racionalistas, individualistas ou socialistas», mas todos apoiando o «integracionismo da Pátria galega». Assume-se como «a afirmación para sempre do verdadeiro ser da Galiza», dos seus «valores tradicionás, e mais dos valores novos que cada día estanse creando na nósa Terra».
Cabe ao poeta português Teixeira de Pascoaes, a primeira colaboração após o editorial, a pedido do director Vicente Risco, e justificada por ser considerado Pascoaes «cousa nósa» estando «moi perto de santa Rosalía e de Pondal». Aliás, na primeira série, entre 1920 e 1923, a colaboração portuguesa está presente em «artigos, notas ou recensões relacionadas com Literatura portuguesa».
No número 18, a 1 de Julho de 1923, logo, há mais de cem anos, Pascoaes publica «um poema de tributo à Galiza, realçando a figura de ‘Santa Rosalía da Saudade’. Também Hernâni Cidade há-de participar nesta revista. Leonardo Coimbra será várias vezes citado e alvo de artigos.
Segundo Paulo Samuel, o autor deste estudo, em todos os números de Nós há «menção a temas lusos, seja pela colaboração de poetas ou pela publicação de artigos e recensões a livros de autores portugueses», como Pascoaes, Alfredo Guisado, Leonardo Coimbra, Ana de Castro Osório, António Sardinha e outros. Leonardo Coimbra publica uma carta e sobre ele é noticiada a segunda nomeação para Ministro da Instrução.
A participação dos autores galegos em A Águia, revista da Nova Renascença, terá de ser tema de outra conversa. Deixo aqui o poema que Pascoaes dedica «À GALIZA» e onde é patente que a «devoción» é mútua: «Ó Santa Rosalía da Saudade/ do Infinito e do Bêrço em que nasceste/ Cantora da perfeita suavidade,/ Da inefável ternura que é celeste;/ Intérprete da nova Divindade/ Que tu, Galiza Mater, concebeste,/ Teu cântico imortal e redentor/ É nossa eterna glória e eterno amor!»
Faz este poema parte dos imensos textos publicados na parte documental deste livro que Paulo Samuel organiza, sendo também o autor do pórtico, introdução e notas, editado pelo Grupo dos Amigos da Biblioteca/Museu Municipal de Amarante, em Novembro de 2023 e que vivamente recomendo a portugueses e galegos que se interessem pelas relações culturais entre estes povos irmãos.
Risoleta C. Pinto Pedro, Lisboa
Colaboradora Portuguesa
Risoleta C. Pinto Pedro, nascida em Elvas, é autora nas áreas do romance, novela, conto, poesia, teatro, ensaio, crónica periodística e radiofónica (Antena 2), conto infantil e BD, assim como ópera, canção, cantata e musical, tendo escrito libretos a convite dos compositores Jorge Salgueiro, Paulo Brandão e Helena Romão, com incursões também na escrita para dança (Companhia de Dança Amalgama). Tem mais de vinte obras publicadas, para além de colaboração em revistas, catálogos, manuais e colectâneas. Na ficção recebeu o Prémio Revelação APE/IPBL, O Aniversário, 1994; Ferreira de Castro (A Criança Suspensa 1995), tendo sido duas vezes distinguida na poesia pela Sociedade da Língua Portuguesa. Foi professora de Literatura em várias escolas, nomeadamente, e durante mais tempo, na Secundária Artística António Arroio. Tem escrito e feito conferências sobre as obras de: Fernando Pessoa, Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Sebastião da Gama, Bocage e Jaime Salazar Sampaio, entre outros. Mais recentemente, tem estudado, escrito e publicado ensaio sobre a obra dos filósofos Agostinho da Silva (A Literatura de Agostinho da Silva, essa alegre inquietação, 2016) e António Telmo (António Telmo- Literatura e Iniciação, 2018), pela editora Zéfiro. Publicou, recentemente, três livros pela editora Sem Nome: Cantarolares, um Sabor Azul (poesia, 2017), Ávida Vida (poesia, 2018) e A Vontade de Alão (novela, 2019). No prelo, a sair no próximo Janeiro, uma novela a anunciar em breve, e em avançado trabalho editorial, dois livros de poesia, um deles já projectado para meados de 2022.
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