Dos doze meses do ano, é abril, o mais falado politicamente, amado por uma maioria do povo português e odiado por alguns.

Depois da implantação da República, em 1910, seguiram-se anos de silêncios, marcados por uma ditadura que espalhou a angústia e a dor, em muitos lares. A minha geração e a anterior viveram esse tempo de analfabetismo e exploração, quando os trabalhadores acatavam as ordens, sem as poderem contestar e se contentavam com o mísero salário que os patrões pagavam pelas longas horas de trabalho diário. Os mais aventureiros punham pés ao caminho e partiam, clandestinamente, para França, Bélgica ou Alemanha, em busca de uma oportunidade de trabalho, que lhes permitisse um melhor viver. Na década de sessenta os portugueses foram confrontados com a Guerra Colonial, uma guerra fratricida, onde perderam a vida muitos dos nossos soldados. Os que voltaram, jamais esqueceram os horrores por que passaram. 

A escolaridade obrigatória era a 3ª classe do ensino primário. Apenas os filhos dos ricos tinham acesso ao ensino, para além desses conhecimentos básicos. Frequentavam a 4ª classe, apenas as crianças, cujos pais sonhavam um futuro melhor para elas e não desejavam vê-las trabalhar nos campos, em condições miseráveis. Assim pensavam os meus pais e mais alguns pobres, na minha Aldeia de Santa Eulália. Lembro-me de ter feito a 3ª classe e querer ir aprender a bordar para a Obra das Mães. Foi a minha Mãe que se impôs, e não consentiu, por ter sido avisada pela minha professora primária de que era uma pena, se eu não pudesse continuar a estudar.

Podíamos contar pelos dedos, as crianças que fizeram a 4ª classe, em 1957 e foram para a Escola Industrial e Comercial de Elvas. Nessa altura, seriam, talvez, meia dúzia, ou menos.

Parece-me ter vivido um sonho, ao chegar, com tanto sacrifício, onde cheguei. Sinto um certo orgulho ao afirmar que, apesar das condições precárias em que a minha família vivia, com uma Bolsa de Estudo da Fundação Calouste Gulbenkian, atingi os meus objetivos. Fui uma privilegiada, porque tinha capacidades intelectuais que me abriram outros horizontes. Mas aqueles que as não possuíam, não tinham outra solução, senão, enveredarem pelo trabalho rural, aprenderem a costurar nas alfaiatarias da Aldeia, onde fabricavam as samarras e os tradicionais capotes alentejanos, ou servindo nas casas senhoriais.

Lembro-me, perfeitamente, de uma situação difícil que vivemos, e os meus pais pediram apoio ao Estado, para eu poder estudar, antes de ser Bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian. A primeira questão que nos foi apresentada, reportava-se à minha condição física, perguntando se eu tinha nascido com algum defeito. Os deficientes não tinham quaisquer direitos. Apesar de não ser o meu caso, só porque tínhamos familiares com um teto, para nos abrigarem, foi de imediato, negada qualquer ajuda.

Quando chegou a hora de mudar de estado, quero dizer, me casar, foi-me exigido, pelo regime de Salazar, ter que pedir autorização para o fazer, ficando o pedido dependente da situação económica do homem que eu escolhera. De que valia amar alguém, que não tivesse um ordenado compatível com o meu? Pura e simplesmente, não poderia casar com essa pessoa e, viver em comum, “ amantizada”, como se dizia, então, era proibido a um funcionário público. Por tudo isto que eu sei, e que vivi, apoio e apoiarei sempre, a Revolução de Abril!

Nessa manhã cinzenta, mas gloriosa, fechou-se uma página negra da nossa História e um livro novo, onde a esperança estava desenhada, se abriu! Por muitos atropelos e erros que possa haver num Estado Democrático, nunca se poderão comparar às atrocidades contra a Liberdade, a Igualdade de direitos e a Fraternidade, cometidas pelo regime Fascista. Muito me entristeço, quando leio certas opiniões de gente que nada sabe da nossa História, não conheceu o que foram as vivências do nosso povo, no século passado, antes do 25 de Abril e hoje, acha que está tudo mal, reclama sem razão, contesta, quer manchar toda a tranquilidade que nos foi oferecida pelos soldados que, em vez de balas, puseram cravos nas suas espingardas. Não há, desde a antiguidade, e a Grécia foi a percursora, regime político em que cada ser humano seja mais respeitado, do que em Democracia. A maioria do povo português tem revelado muito bom senso e respeita os valores da Liberdade, Igualdade e Fraternidade reforçados pela Revolução Francesa.

Há quem sonhe voltar ao passado, pensando só em si próprio, nos seus interesses dominadores e exploradores e tente arrastar consigo os que apenas ouvem e vêem o que os velhos do Restelo propagam, aos sete ventos, como se verdades incontestadas fossem. A liberdade de expressão dá-lhes o direito até, da mentira, que tantas vezes dita, já parece verdade, mas mais tarde ou mais cedo fica sempre desmascarada. Isto, porque, antes de abril, ai daquele que ousasse falar contra o poder instituído. Conheceria de imediato, as masmorras e o degredo.

Quantos políticos, poetas, escritores e cantores, tiveram de abandonar Portugal para não correrem esse risco. E de longe chegava a sua mensagem de esperança num Portugal Democrático. Que os jovens de hoje procurem conhecer o nosso passado histórico e possam comparar o que foram os anos da ditadura e o que são os dias que hoje vivem de paz, conforto e liberdade.

Abril, tempo de esperança! Abril, tempo de sonhar! Abril nas mãos de uma criança, que os cravos quer abraçar!

Sempre conheci, a terra onde nasci, como um verdadeiro baluarte da Democracia, durante estes 46 anos, em que a consciência foi despertada do longo sono inquieto de uma Ditadura que deixou as suas marcas, na vida de um povo. Dentro dos princípios Democráticos, mais à esquerda, ou mais ao centro, as opções foram sempre feitas com respeito e tranquilidade. Todos sabemos que atravessamos tempos pouco favoráveis e hoje, mais do que nunca, agravados por uma guerra que põe em causa a Paz na Europa, assim como asaúde mental e economia. Porém, nada disso justifica uma mudança tão radical de opinião. A minha geração sabe bem o que foram os anos do fascismo! As dificuldades que enfrentámos, a vida dura dos nossos antepassados, nos campos, trabalhando de sol a sol . a miséria, a fome, os baixos ordenados, a falta de condições nas nossas habitações, a exploração de que muitos trabalhadoraes eram vítimas, não tendo horas de descanso, a falta de proteção da velhice.

Não havia reformas. Eram alarmantes, a falta proteção à infância, a falta de liberdade de expressão e associação, o impedimento de anulação do casamento. O direito ao voto não era para todos e as mulheres, pois muitas eram impedidas de o ter.  A impossibilidade de aprendizagem, por falta de meios económicos, o analfabetismo era predominante. O sofrimento dos nossos soldados, em combate no Ultramar refletia-se em toda a nossa sociedade. A emigração para o estrangeiro, a maioria sem ter conhecimento de outra língua, para além da portuguesa. A perseguição feita pela polícia política, em qualquer lugar. A fuga para o estrangeiro dos perseguidos pelo regime de Salazar. A prisão, em condições desumanas, dos que não concordavam com o sistema Um cem número de situações que tornavam a vida do povo, numa pesada escravatura. Os meus filhos e todos os nascidos depois do 25 de abril, nada sabem do que foram esses tempos, em que só por milagre, não se morria à fome. Passeios e férias, eram coisas só para os ricos. Os pobres desconheciam esses prazeres. Após a revolução dos cravos, que hoje muitos estão a espezinhar, iludidos com falsos profetas que esperam a melhor ocasião para deitarem as garras de fora e sugarem, de novo, o sangue aos trabalhadores, como vampiros, a vida do povo português teve mudanças muito significativas, em termos sociais, culturais e económicos. Muitas regalias foram conquistadas e, como é normal, tornaram-se direitos fundamentais, dos quais todos podem usufruir e vão esquecendo, que nem sempre existiram:

O  Serviço Nacional de Saúde. A escolaridade obrigatória e gratuita. As reformas na velhice. Os subsídios de nascimento e de morte,  os abonos de família, os subsídios a deficientes, os apoios sociais a estudantes mais carenciados, os subsídios de desemprego, os subsídios de reinserção social, os subsídios de férias e de natal, a habitação para famílias mais carenciadas Após os últimos acontecimentos, ocorridos dentro do governo socialista, sem muitos disso se aperceberem, estão a contribuir para a ressurreição do fascismo, com tudo o que de mau, ele contém. Todos os que sabem o que isso representa, estão angustiados, tristes, direi mesmo, pasmados e preocupados. Errar é humano, cair num logro, qualquer um pode cair. Desejo que ninguém fique cego e se deixe seduzir com falsas promessas, com palavras enganadoras, com ídolos de barro.

Quero viver em liberdade, respeitando a liberdade de todos, em Democracia.

Fascismo, nunca mais!

Graça Foles Amiguinho

Graça Foles Amiguinho

Colaboradora Portuguesa

“Son Maria de Graça Foles Amiguinho Barros. Vivo en Vila nova de Gaia, pero nascín no Alentejo, nunha aldeia pequena chamada A Flor do Alto Alentejo.

Estudei en Elva. Fiz maxisterio en Portoalegre. Minha vida foi adicada ao ensino durante 32 anos, aos meus alumnos ensineilles a amar as letras, o país, as artes e a cultura. 

Meu começo coa poesia aconteceu de xeito dramático cando partin os dous braços, en 2004 comecei a escribir poesia compulsivamente, en 2005 xa tiña o primero libro editado  O meu sentir…”

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