Não é a primeira vez que o Alentejo recebe, com carinho, refugiados de guerra. Se analisarmos o passado, temos a prova da solidariedade manifestada em diferentes épocas e circunstâncias.
Nos anos que se seguiram, ao final da II Guerra Mundial, com a Europa ainda em escombros, várias famílias em Portugal acolheram mais de 5500 crianças austríacas. Na minha Aldeia de Santa Eulália, algumas dessas crianças foram acolhidas por famílias ricas, que lhes permitiram condições de vida que a sua terra lhes negara.
A maior parte vinha por curtos períodos de tempo, outras acabaram por ficar por cá e constituíram família. Chegavam através da Cáritas, sem saber falar a língua, a um país muito diferente do que deixavam para trás e onde não conheciam quem os iria receber. Apesar de as suas histórias não serem desconhecidas, faltava uma investigação profunda sobre quem foram as pessoas que os acolheram.
A exposição “Refugiados no Alentejo durante o século XX” foi feita para dar a conhecer à generalidade da população, três diferentes processos de acolhimento, pela região do Alentejo, de pessoas que, em consequência de conflitos político-militares, tiveram de deixar as suas casas, os seus amigos e as suas famílias.
Hoje, todos sabemos que refugiado é um “indivíduo que se mudou para um lugar seguro, buscando proteção”, geralmente, fugindo de conflitos de guerra. O refugiado vem à procura, acima de tudo, de preservar o seu bem mais precioso: a vida.
Testemunho de um meu amigo, Luis Von Gilsa, neto de um refugiado alemão:
“O meu avô era oriundo duma família Aristocrata, veio para Portugal após a primeira Guerra Mundial. Chegou a Lisboa e viu um emprego para uma moagem em Santa Eulália. Ele era Engenheiro Mecânico, respondeu e veio. Foi aí que conheceu a minha avó. Casaram, tiveram 10 filhos, nunca mais voltou à Alemanha, mas teve uma grande importância na nossa região. Quando vieram as crianças austríacas, poucas ou nenhumas pessoas falavam Alemão e o meu avô fazia de intérprete a todas essas crianças. Sofreu muito, quer na Guerra quer nessa fase da vinda das crianças Austríacas, pois sabia bem o que era perder o contacto com todos os familiares e amigos. Isto é um resumo muito sintetizado, mas já fica com uma ideia. Era um homem com um coração enorme! Saudades do meu querido Avô.

Os meus Bisavós Alemães Frederick von Gilsa e Jhoanna Dorhotty Becker von Gilsa

O meu avô ainda na Alemanha durante a Guerra – Wilhelm von Gilsa
Sempre fui muito sensível com estas situações. Como sabe, sou Técnico de Emprego. Não é fácil a minha profissão nos dias que correm, mas sinto-me bem a ajudar os outros, e agora os refugiados, quando começaram a vir os de Leste com formação superior, lembrava-me sempre do meu avô. E continuo a lembrá-lo diariamente! O meu avô apesar da sua formação superior, nunca passou da categoria de moleiro. Ironia da vida, o patrão era primo da minha avó! Mas o alemão precisava de trabalhar e teve 10 filhos. Graças a Deus conseguiu educá-los! Por isso todos o lembramos com muito orgulho.”
Neste último mês, infelizmente, vive-se um contexto marcado por uma grave crise de refugiados que nos parecia, uma realidade distante, mas que a Guerra na Ucrânia veio reavivar.
Como temos podido acompanhar pelas notícias que nos chegam, a toda a hora, a passagem de uma vida normal ao estado de refugiado pode ser relativamente rápida, não dando tempo aos indivíduos para se adaptarem às dificuldades que lhes vão surgir.
O refugiado é a consequência de um desentendimento, de um conflito armado, entre, pelo menos, duas partes.
É o resultado da falta de diálogo e da intolerância, do desrespeito da liberdade, levados a cabo por regimes que procuram impôr determinados valores e comportamentos aos seus cidadãos e, por vezes, aos cidadãos de outros países. Os meios utilizados têm diversas faces, que podem ser a discriminação, a expulsão, a coação e até, a morte deliberada dos seus opositores ou de setores específicos da população. As razões podem ser múltiplas, nomeadamente, étnicas, religiosas ou sociais. Perante tal cenário, perante a rigidez, o extremismo e a agressividade destes regimes, é inevitável a fuga de cidadãos, de todas as idades.
Analisando a Áustria, que hoje é um país desenvolvido, sendo uma referência em muitos domínios, torna-se difícil compreendermos como foi possível que Portugal, um país pobre, pudesse ajudar um país rico.
Isso aconteceu, porque a Áustria sofreu um elevado nível de destruição com a Segunda Guerra Mundial, ao ponto de os pais entregarem os seus filhos ao cuidado de pessoas em Portugal, que nem sequer conheciam.
Imaginemos o desespero em que os austríacos se encontravam.
Nesse período negro da História da Europa, temos que realçar o papel humanista de um português, Aristides de Sousa Mendes.
Em 1938, mesmo nas vésperas do início da Segunda Guerra Mundial, Salazar nomeia-o cônsul em Bordéus, França. E este é o início da história mais importante de Aristides de Sousa Mendes.
“Durante a Segunda Guerra Mundial e sob a ditadura de Salazar, Portugal era uma nação alegadamente neutra. Esta foi a razão que levou o governo a fazer chegar a todos os diplomatas portugueses na Europa a “Circular 14”.
Este perverso documento ordenava a suspensão de vistos aos refugiados, até aprovação, incluindo explicitamente Judeus, Russos e apátridas. Esta circular previa que, para emissão de vistos a russos, judeus, polacos, apátridas e outros, que eram perseguidos pelo regime nazi, fosse necessário pedir aprovação da PIDE.
Espanha negou os vistos aos refugiados judeus e a única esperança residia no consulado português. Em junho de 1940, o cônsul encontrou-se com o rabino Kruger que escapara a uma Polónia ocupada. Ali, prometeu-lhe fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para persuadir o governo de Lisboa, liderado por Salazar, a retirar o mandado de suspensão dos vistos. Infelizmente, no dia seguinte, viu Lisboa a negar os vistos aos refugiados judeus.
Aristides de Sousa Mendes tomou uma decisão: iria emitir vistos sem distinção de “raça ou religião”.”
Não se sabe exatamente, quantos vistos foram emitidos por este português ou a seu mando. Os números vão de alguns milhares até três dezenas de milhares. Em 20 de junho de 1940, Aristides recebeu um telegrama de Salazar a ordenar a sua comparência em Lisboa, para justificar a desobediência.
O ato altruísta de Aristides de Sousa Mendes resultou em castigos severos. Não só foi demitido da função de cônsul, como foi despromovido imediatamente, à categoria inferior e condenado a um ano de inatividade. Salazar acabou por aposentar Aristides, no final do ano.

Aristides de Sousa Mendes foi então viver para a casa do Passal com a família. Durante os últimos meses de 1940, a casa do Passal ainda serviu de refúgio a alguns refugiados que beneficiaram dos vistos emitidos por Aristides. Não era, no entanto, segredo que, com o salário penhorado, o ex-cônsul e a família passavam necessidades.
Para além disso, Sousa Mendes perdeu o direito de exercer a profissão de advogado e viu a sua licença de condução, emitida no estrangeiro, ser-lhe retirada. Estas dificuldades foram-se agravando até que Aristides se mudou para Lisboa, para casa de um primo, indo muito raramente a Cabanas de Viriato.
Chegou a frequentar, juntamente com os seus familiares, a cantina da assistência judaica internacional onde, com tristeza, teve de confirmar: “Nós também, nós somos refugiados”.
Situação parecida vivemos com a nossa vizinha Espanha, hoje um dos países mais desenvolvidos do mundo.
Quando Espanha viveu uma guerra civil sanguinária, muitos cidadãos, para fugirem às balas assassinas de Franco, viram-se obrigados a cruzarem a fronteira portuguesa, em busca de proteção. A história nos relata que o Tenente Seixas pôs em causa a sua carreira para ajudar centenas de pessoas desesperadas, tendo como prémio, ser posteriormente exonerado das suas funções.
Com o 25 de Abril e a independência das ex-colónias de Angola e Moçambique, Portugal acolheu os seus filhos que vinham de mãos a abanar, fugindo da guerra, designados por muitos como retornados.

Esses portugueses eram, então, “refugiados”.
As novas gerações não conhecem a realidade dos retornados, mas estes, na sequência do processo de descolonização, tiveram de deixar as suas casas, os seus empregos e rumar a um Portugal revolucionário que os ajudou a se integrarem progressivamente na sociedade portuguesa.
Afinal, todos poderemos, de um momento para o outro passar a ser refugiados, oriundos de países ricos ou de países mais pobres, se as circunstâncias se alterarem de um momento para o outro. Não podemos dar nada por certo.
Problemas políticos e bélicos em Marrocos, Argélia, Ceuta e Gibraltar levaram milhares de africanos a atravessar o Mediterrâneo e a entrar em Espanha. O país vizinho, surpreendido pela enorme afluência de refugiados, pediu auxílio a Portugal.
Neste momento, na minha Aldeia de Santa Eulália estão acolhidas duas Mulheres ucranianas, cada uma com uma filha. Uma das meninas tem 10 anos e a pequenina Viviane tem 1 ano e seis meses.
Entretanto, a bebé e a mãe foram para outro local, perto de familiares. Entraram mais duas pessoas, mãe e filha de 16 anos. Chegaram agora, duas Mulheres e um jovem de 17 anos, que já estão bem alojados.
Os problemas de comunicação, nos tempos que vivemos, são ultrapassados com os tradutores nos telemóveis e há sempre ucranianos que já viviam em Portugal, disponíveis para ajudar.

Todo o apoio médico está a ser dado a nível da ULSNA Hospitalar e Centro de Saúde.
A população, como sempre foi seu hábito, acolhe com carinho todos os que ali chegam.
Os refugiados aparentam grande cansaço, o que é muito natural, acrescido das preocupações relacionadas com os familiares e amigos que tiveram que deixar para trás e a incerteza de saberem se os voltarão a encontrar.
A Junta de Freguesia de Santa Eulália está sempre disponível para ajudar em tudo, segundo me informou a senhora D. Helena Mourato, Presidente da Assembleia.
Sei que em Elvas têm sido acolhidas, também, famílias ucranianas, nomeadamente, pelos meus amigos, dra. Vitória Branco e eng. Jacinto César. Que Deus abençoe os gestos de solidariedade para com quem sofre.
A todos os refugiados desejo uma boa adaptação e manifesto a minha comoção pela hospitalidade e generosidade da nossa gente

Graça Foles Amiguinho
Colaboradora Portuguesa
“Son Maria de Graça Foles Amiguinho Barros. Vivo en Vila nova de Gaia, pero nascín no Alentejo, nunha aldeia pequena chamada A Flor do Alto Alentejo.
Estudei en Elva. Fiz maxisterio en Portoalegre. Minha vida foi adicada ao ensino durante 32 anos, aos meus alumnos ensineilles a amar as letras, o país, as artes e a cultura.
Meu começo coa poesia aconteceu de xeito dramático cando partin os dous braços, en 2004 comecei a escribir poesia compulsivamente, en 2005 xa tiña o primero libro editado O meu sentir…”
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