Na Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa, Agostinho da Silva, deslumbrante e exuberante filósofo português nascido em 1906 no Porto, e após prisão no Aljube emigrado no Brasil, a quem António Cândido Franco, seu biógrafo, chama «Estranhíssimo Colosso», publica uma lista de nomes que o inspiraram, com quase três páginas, onde inclui os galegos Menéndez Pidal e Castelao. Outros espanhóis nomeia como importantes referências, mas trago aqui estes, por se tratar de uma página da Galiza e também pela relação privilegiada que com ela teve, facto de que falarei numa outra ocasião.

Após os agradecimentos aos “mestres”, e antes de se debruçar sobre Portugal em particular, vai, à laia de introdução, considerar «como um todo a cultura peninsular» para reflectir sobre se «a Espanha, aqui no sentido de toda a Península, se deve dedicar, por ter atingido a Plenitude do que é melhor para o mundo, à tarefa de hispanizar o dito mundo; ou se, modestamente reflectindo no que lhe falta e considerando desejável o que não tem, se deve, pelo contrário, matricular numa espécie de escola de universalismo, como moço de aldeia que afronta pela primeira vez, porque ele ou a família o acharam desejável, ou simplesmente o Estado o tornou obrigatório, a cultura elaborada nas cidades e por elas imposta». Podemos ler aqui a Península Hispânica como a aldeia, e a Europa como a grande cidade.

Coloca a questão em termos da dicotomia hispanizar o mundo ou apenas a Europa, ou europeizar a Espanha (enquanto Península). São os dois termos do dilema que estabelece. Acontece que só seria possível considerar tal dilema, se Portugal e Espanha se comportassem como dois privilegiados aliados, irmãos, companheiros ou parceiros. Isto tem acontecido pontualmente, já foi pior, se revisitarmos a história, mas um longo caminho há ainda a percorrer. Mais fácil parece ser fazê-lo entre o norte de Portugal e a Galiza, onde, pelo menos nas populações, existe um sentimento de irmandade e cumplicidade superior  ao que encontramos entre os dois países por inteiro. O que não significa, pelo contrário, que não persigamos tal sonho. Interessa é saber: para quê? Em que lado dos dilemas de Agostinho nos colocamos? Sendo que, sabendo nós ser ele o homem do paradoxo, de certeza terá na manga uma terceira via:

«a atitude inteligente e largamente humana não é de aceitar dilemas, mas ou a de mostrar que são falsos ou a de se encarreirar a terceiras soluções de que o lógico se não lembrou».

Reflexao

Coloca, seguidamente, várias questões que nos dizem respeito, como a de nos interrogarmos sobre se a Hispânia é, já, suficientemente hispânica, isto é, no meu entender da sua pergunta, se já nos cumprimos, ainda que não optimamente, pelo menos suficientemente, se nos conhecemos, se nos valorizamos, se nos tratamos bem, ou se, pelo contrário, antes de «procurarmos resolver o tal problema em face da Europa, não teremos de resolver o problema em face de nós próprios». Evidentemente

Este assunto apenas começa a ser aflorado, e não pretendo aqui nem resolvê-lo, pois não o saberia fazer, nem trazer todo o pensamento de Agostinho sobre o assunto, o que caberá a cada um fazer se tal lhe interessar, mas apenas, como ele gostava, desassossegar. Nesta plataforma ideal que é a Galiza, a meio caminho entre Portugal e toda a Espanha, a que pertence. Neste sentido, vejo a Galiza como uma espécie de centro (não geográfico, nem geométrico, mas um centro afectivo) da Península, o que considero merecedor da nossa maior atenção.

Até breve, querido(a) leitor(a)!

Risoleta C. Pinto Pedro, Lisboa

Risoleta C. Pinto Pedro, Lisboa

Colaboradora Portuguesa

Risoleta C. Pinto Pedro, nascida em Elvas, é autora nas áreas do romance, novela, conto, poesia, teatro, ensaio, crónica periodística e radiofónica (Antena 2), conto infantil e BD, assim como ópera, canção, cantata e musical, tendo escrito libretos a convite dos compositores Jorge Salgueiro, Paulo Brandão e Helena Romão, com incursões também na escrita para dança (Companhia de Dança Amalgama). Tem mais de vinte obras publicadas, para além de colaboração em revistas, catálogos, manuais e colectâneas. Na ficção recebeu o Prémio Revelação APE/IPBL, O Aniversário, 1994; Ferreira de Castro (A Criança Suspensa 1995), tendo sido duas vezes distinguida na poesia pela Sociedade da Língua Portuguesa. Foi professora de Literatura em várias escolas, nomeadamente, e durante mais tempo, na Secundária Artística António Arroio. Tem escrito e feito conferências sobre as obras de: Fernando Pessoa, Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Sebastião da Gama, Bocage e Jaime Salazar Sampaio, entre outros. Mais recentemente, tem estudado, escrito e publicado ensaio sobre a obra dos filósofos Agostinho da Silva (A Literatura de Agostinho da Silva, essa alegre inquietação, 2016) e António Telmo (António Telmo- Literatura e Iniciação, 2018), pela editora Zéfiro. Publicou, recentemente, três livros pela editora Sem Nome: Cantarolares, um Sabor Azul (poesia, 2017), Ávida Vida (poesia, 2018) e A Vontade de Alão (novela, 2019). No prelo, a sair no próximo Janeiro, uma novela a anunciar em breve, e em avançado trabalho editorial, dois livros de poesia, um deles já projectado para meados de 2022.

Blogue: http://aluzdascasas.blogspot.com/

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