ELEIÇÕES EM PORTUGAL EM TEMPO DE “JANEIRAS”

Neste primeiro mês de 2022, passados quarenta e sete anos de vida democrática, Portugal volta às urnas no dia 30, para escolher os seus Deputados à Assembleia da República e se apurar quem governará o País, nos próximos quatro anos.

Sobre as escolhas a fazer, penso que todos os portugueses têm tido tempo suficiente, para, conscientemente, saberem o que mais nos convém, escolha essa, que implica muita responsabilidade.

Os mais velhos não poderão, jamais, esquecer os anos negros de uma Ditadura, que nos colocou na cauda da Europa, obrigando milhares de portugueses a procurar trabalho nas mais diversas partes do Mundo. Sofrendo pelo não conhecimento de línguas estrangeiras, muitos, quase analfabetos, se aventuraram por esse mundo fora, em busca de um futuro melhor, que a sua terra lhes negava.

Infelizmente, mesmo vivendo em Democracia, os portugueses mais inconformados, continuam a atravessar fronteiras e depositam em mãos estrangeiras, a força do seu trabalho, o saber adquirido em Portugal, porque as condições económicas e sociais, no nosso País, estagnaram e ainda não são iguais às de outros países da CEE.

Neste frio mês de inverno, vamos recordar uma Tradição muito antiga, mas que os tempos não conseguem apagar.

janeiras

As Janeiras”!

De Norte a Sul de Portugal, nas ilhas dos Açores, Madeira e praticamente em toda a Europa Ocidental, ainda hoje são vivenciadas e cantadas com entusiasmo, pelo povo, na quadra natalícia, até ao Dia de Reis e, em muitas terras, continuam até ao fim do mês de janeiro.

Cantam-se músicas pelas ruas, em grupo, anunciando o nascimento de Jesus, desejando um feliz ano novo a toda a gente, e pedindo uma recompensa que pode ser em bolos, vinho, carnes ou dinheiro.

“As janeiras” são, por vezes, confundidas com os “Cantares dos Reis”.

Eram cantadas, antigamente, pelos mais pobres, que iam bater às portas dos senhores ricos das suas aldeias e vilas. Por assim ser, Zeca Afonso, chamou à sua “janeirada”, “NATAL DOS SIMPLES”.

Começarei, então, por vos recordar este belo poema do nosso Zeca Afonso, “Natal dos Simples”, editado a partir do LP “Cantares de Andarilho”, lançado em 1968, em plena Ditadura, que tão popular se tornou, aprendido e cantado por crianças e adultos, até aos dias de hoje.

NATAL DOS SIMPLES 

Vamos cantar as janeiras/ Vamos cantar as janeiras,

Por esses quintais adentro, vamos/ Às raparigas solteiras!

Por esses quintais adentro, vamos/ Às raparigas solteiras

 Pam-pa-ra-ra pi-ri Pam-pa-ra-ra, pi-ri

Pam, pam, pam, pam.

Vamos cantar orvalhadas/ Vamos cantar orvalhadas

Por esses quintais adentro, vamos/ Às raparigas casadas.

Ref

Vira o vento e muda a sorte/ Vira o vento e muda a sorte

Por aqueles olivais perdidos/ Foi-se embora o vento norte.

Ref

Muita neve cai na serra/ Muita neve cai na serra

Só lembra dos caminhos velhos/Quem tem saudade da terra

Ref

Quem tem a candeia acesa/Quem tem a candeia acesa

Rabanadas, pão e vinho novo/Matam a fome à pobreza

Ref

Já nos cansa esta lonjura/Já nos cansa esta lonjura

Só se lembra dos caminhos velhos/Quem anda à noite à ventura

Nos tempos que vivemos, “as Janeiras” são geralmente cantadas por Ranchos Folclóricos ou Grupos Corais, muitas vezes, em colaboração com os Municípios, fazendo concertos em lugares públicos, tais como coretos de jardins ou Casas da Cultura.

Os instrumentos musicais mais usados para acompanhar os cantadores e cantadeiras, são: a viola clássica, o reco-reco, os ferrinhos, a flauta, o bombo, a pandeireta, o adufe e o acordeão. No Alto Alentejo usam a ronca.

Por vezes, são apenas as vozes que entoam as bonitas canções.

De norte a sul de Portugal, esta tradição vai tendo cada vez mais entusiastas a darem-lhe continuidade.

Uma particularidade desta tradição é o facto de os cânticos serem entoados durante a noite.

Talvez seja interessante sabermos as origens das “Janeiras”.

Como facilmente depreendemos, vão buscar o seu nome a Janeiro, cuja origem reside em “Janus”, o deus das portas do céu ou o deus dos princípios e das entradas.

O deus “Janus” é representado por duas faces, viradas para sentidos opostos, representando o que passou e o que está para vir, simbolizando a ideia de passagem de um ano para outro.

“Janus” era um deus romano.

Entretanto, as nossas “Janeiras” foram “cristianizadas”, com canções ao Menino Jesus.

As “Janeiras” chegaram a ser proibidas na cidade de Lisboa e arredores, por serem consideradas de origem pagã. Porém, no campo, nunca foram esquecidas e o povo tinha prazer de manter a tradição, contrariando a inibição que a capital sofria.

Como já referi, ainda hoje são cantadas em quase toda a Europa Ocidental e até na América.

– Na Grécia cantam as “Kalandas”, no dia 24 de dezembro.

– No Reino Unido e nos Estados Unidos, cantam-se os “Christmas Carols,” no dia 26 de dezembro.

– Na Espanha cantam-se “Os Villancicos”, no dia 6 de janeiro, acompanhados com pandeiretas e castanholas.

– Em Portugal, Açores e Madeira, soam durante todo o mês de janeiro.

No Algarve, a população dá às “Janeiras” o nome de “Charolas”, acompanhando o cante com castanholas.

No Alto e Baixo Alentejo, com a elevação do “Cante Alentejano” a Património Imaterial da Humanidade, “as Janeiras” rejuvenesceram, sendo cantadas, com todo o seu encanto, pelo povo.

É nas Beiras e no Norte de Portugal que “as Janeiras” assumem o seu carácter mais popular.

Em terras frias e tão chuvosas, no inverno, “as Janeiras” tornaram-se incrivelmente boémias e divertidas, sendo cantadas por gente, que nada a inibe de dar música às suas terras.

Assim, em Braga, é famosa a “Edição de Cantares de Reis e Janeiras”, havendo festivais até fins de janeiro.

Terminarei com a divulgação de um Cantar dos Reis, muito antigo, que ouvi, há mais de meio século, na Vila de Barbacena, no concelho de Elvas, onde trabalhei e que penso ser único, no nosso Portugal. Ouvi-o altas horas da noite. Naquele silêncio profundo, fui acordada por vozes divinais, entoando, à sua maneira, tão peculiar, uma linda melodia. Hoje, continua sendo cantado, por homens que foram meus alunos e que querem manter a Tradição.

“CANTO DOS RÊIS”

Quais sã´ n´os três cavalhêros

Que fazem sombra no mára?

-Sã´n´os três de o Oriente

Que a Jàsus veem buscára.

Não préguntam por poisada,

Nem aonde o irão achára.

Foram – n´o achar em Roma

Revestido no altára

Com três mil almas de roda

Todas para commungára.

Missa – nova quer dizéra,

Missa – nova quer cantára.

São João ajuda à missa,

São Pedro muda o missála.

Desejo-vos  um Feliz Ano de 2022!

Graça Foles Amiguinho

Graça Foles Amiguinho

Colaboradora Portuguesa

“Son Maria de Graça Foles Amiguinho Barros. Vivo en Vila nova de Gaia, pero nascín no Alentejo, nunha aldeia pequena chamada A Flor do Alto Alentejo.

Estudei en Elva. Fiz maxisterio en Portoalegre. Minha vida foi adicada ao ensino durante 32 anos, aos meus alumnos ensineilles a amar as letras, o país, as artes e a cultura. 

Meu começo coa poesia aconteceu de xeito dramático cando partin os dous braços, en 2004 comecei a escribir poesia compulsivamente, en 2005 xa tiña o primero libro editado  O meu sentir…”

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