Nos tempos que correm, com o conflito a que assistimos e que nos aflige, mais do que nunca sonhamos com uma união internacional de povos, como defendia Agostinho da Silva, não para o apagamento de cada povo, mas para a exaltação e defesa da paz no respeito do todo por cada um, de cada um por cada um e de cada um por si mesmo e por todos. Tudo o que está a falhar nesta altura. Tudo o que, salvo algumas excepções, tem falhado até hoje.

Agostinho da Silva, professor, escritor, filósofo, conferencista, editor, homem dos sete instrumentos, é um brilhante ser humano nascido em 1906, no Porto, tendo-se licenciado com 20 valores em Filologia Clássica pela Faculdade de Letras do Porto, e feito o doutoramento com a avaliação máxima. Depois de estadia na Sorbonne com uma bolsa, lecciona em Aveiro, no ensino secundário. Desde muito cedo, pela sua irreverência e espírito livre, torna-se politicamente incómodo, recusando-se a assinar a Lei Cabral, que obrigava os funcionários do Estado a declararem não pertencer a organizações secretas. Isto visava quer grupos políticos clandestinos, quer a Maçonaria. Embora não pertencesse nem a uns nem a outros, recusou-se a fazê-lo, e não pôde continuar a leccionar no ensino público. Fê-lo no particular e deu lições individuais a alguns que mais tarde se tornaram vultos da cultura e estadistas, como o futuro governante Mário Soares.

Em 1944, após ter sido feito prisioneiro pela polícia política por insistir em pensar e em pronunciar-se de forma livre, através da sua actividade editorial e de conferencista, deixa a Pátria e parte para o Brasil onde funda universidades e lecciona, bem como chega a ser conselheiro do Presidente.

Em 1969 regressa a Portugal, onde cria o Fundo D. Dinis, com uma pensão que lhe fora atribuída e que se recusou a usar em proveito próprio, o que sempre fizera ao longo da vida.  Durante este período dirigiu o Centro de Estudos Latino-Americanos da Universidade Técnica de Lisboa, e foi consultor do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa. Foi ainda agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada.

orden de Santiago
ordem da liberdade

Quando lhe foi concedida a Ordem da Liberdade, este irreverente ser não compareceu na cerimónia e foi até Sesimbra, uma das terras do seu coração. Fê-lo para ser coerente com o título que lhe estava a ser concedido.

É nesta fase pós-Brasil que consolida a sua amizade com a Galiza através de frequentes visitas. Na sua “Carta chamada Santiago”, com enorme probabilidade de ter sido escrita em Santiago de Compostela, diz o seguinte:

[…] um dia, mais ou menos longínquo, constituamos todos, desde Lisboa ao Acre, ou desde os Açores a Timor, ou desde Luanda a Macau, senhor cada um de seus caminhos e todos do total, uma Comunidade que sirva de base a uma final União Internacional de Povos […]. Ensaiaremos depois Federações regionais, quem sabe se começando por uma Confederação Atlântica que uniria Brasil, Angola, Guiné e Portugal e a que poderia vir tanta outra nação já não, ou ainda não, de língua nossa, mas que devesse, como nós, defender acima de tudo Justiça e Paz. Um dia estará nisto o mundo inteiro, e um Inteiro Mundo; por enquanto, bem ao fundo de um túnel: já, porém, com sua alma, ou esperança, de luz.»

Escreveu-o em 1974, e como continuamos longe.

Tem uma curiosidade, esta carta. O seu mote é uma quadra popular da Galiza que certamente todos os galegos conhecem, mas de que eu apenas tive conhecimento por Agostinho: “Santiago de Galicia/ espello de Portugal,/ axudanos a vencer/ esta batalla real».

Risoleta C. Pinto Pedro, Lisboa

Risoleta C. Pinto Pedro, Lisboa

Colaboradora Portuguesa

Risoleta C. Pinto Pedro, nascida em Elvas, é autora nas áreas do romance, novela, conto, poesia, teatro, ensaio, crónica periodística e radiofónica (Antena 2), conto infantil e BD, assim como ópera, canção, cantata e musical, tendo escrito libretos a convite dos compositores Jorge Salgueiro, Paulo Brandão e Helena Romão, com incursões também na escrita para dança (Companhia de Dança Amalgama). Tem mais de vinte obras publicadas, para além de colaboração em revistas, catálogos, manuais e colectâneas. Na ficção recebeu o Prémio Revelação APE/IPBL, O Aniversário, 1994; Ferreira de Castro (A Criança Suspensa 1995), tendo sido duas vezes distinguida na poesia pela Sociedade da Língua Portuguesa. Foi professora de Literatura em várias escolas, nomeadamente, e durante mais tempo, na Secundária Artística António Arroio. Tem escrito e feito conferências sobre as obras de: Fernando Pessoa, Teixeira de Pascoaes, Jaime Cortesão, Sebastião da Gama, Bocage e Jaime Salazar Sampaio, entre outros. Mais recentemente, tem estudado, escrito e publicado ensaio sobre a obra dos filósofos Agostinho da Silva (A Literatura de Agostinho da Silva, essa alegre inquietação, 2016) e António Telmo (António Telmo- Literatura e Iniciação, 2018), pela editora Zéfiro. Publicou, recentemente, três livros pela editora Sem Nome: Cantarolares, um Sabor Azul (poesia, 2017), Ávida Vida (poesia, 2018) e A Vontade de Alão (novela, 2019). No prelo, a sair no próximo Janeiro, uma novela a anunciar em breve, e em avançado trabalho editorial, dois livros de poesia, um deles já projectado para meados de 2022.

Blogue: http://aluzdascasas.blogspot.com/

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