O Porto visto pela paleta de António Cruz

Manuel Vitorino

O pintor António Cruz (1907-1983) foi um dos maiores aguarelistas do século XX e, até hoje, ninguém mais soube captar a alma da cidade, o rio e as pontes, as neblinas. “É no inverno que eu sinto a minha felicidade” , diz o pintor quando está no bairro da Lada, à Ribeira, em Pena Ventosa e nas Aldas, à Sé, nas margens do Douro junto à ponte de Eifel, ou estação de São Bento, antigo Mosteiro de São Bento de Avé-Maria. Teve um rol imenso de seguidores. Nunca, como ele, souberam resgatar a aguarela da mediania e dar-lhe outra dimensão pictórica. Basta olhar e ver. “O nosso Turner português” foi sempre um pintor irreverente, avesso a modas, um esteta, talvez um eremita das imagens. De cabeleira branca, olhar azul, cavalete a tiracolo, caixa de pincéis ao ombro e passo apressado lá ia ele vagueando pelas ruas da cidade onde vivia, ali para os lados do Carvalhido, cuja alma imortalizou na sua paleta policromática. Só um artista superior teve o dom divino de captar com tanta sensibilidade e talento um Porto que já não existe. Ficaram as memórias.

António Cruz frequentou a Academia de Belas-Artes do Porto, seguiu-se a exposição dos “Independentes” (1944) no salão do Coliseu do Porto, a bolsa do Instituto de Alta Cultura para estudos de “aperfeiçoamento em aguarela” e em 1947, participa na Exposição de Arte Moderna do SNI em Lisboa.

António Cruz 1

 O seu nome começa a ser uma referência, suscita curiosidade e admiração, mas só em 1957, ou seja, 10 anos depois, será convidado a mostrar as suas aguarelas na Primeira Exposição de Artes Plásticas, da Fundação Calouste Gulbenkian, por esta altura, séc. XX e certamente durante o XXI, a grande instituição cultural do país, a única com estatuto internacional capaz de produzir e montar grandes exposições de fotografia, pintura, escultura, ourivesaria, joalharia e arte contemporânea.

Em 1958, dois anos após a inolvidável experiência cinematográfica de “O Pintor e a Cidade”, o artista começou a exercer funções como professor na Escola de Artes Decorativas Soares dos Reis e, em 1975, participa na exposição “Levantamento da Arte do Séc. XX no Porto” organizada pelo Centro de Arte Contemporânea, impulsionada pelo crítico Fernando Pernes, no Museu Nacional de Soares dos Reis e mais tarde, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa.

estación comboios
Estação de Campanha, no Porto
Porto de António Cruz
A Sé Catedral do Porto e o casario antigo da cidade.
serra do Pilar
A Ribeira do Porto, ponte Luís I e a serra do Pilar.

Porém, o grande momento de glória e reconhecimento público aconteceu em 1982, Casa do Infante/Arquivo Histórico da Cidade, com a celebrada exposição antológica, edição de um luxuoso álbum intitulado “O Pintor e a Cidade” acompanhado da reprodução de 20 aguarelas, um precioso texto de Agustina. O êxito foi enorme. Centenas de visitantes e admiradores, tendo António Cruz conseguido ultrapassar o seu ar austero e distante. A inauguração, então presidida pelo então PR, Ramalho Eanes foi um acontecimento cultural da maior relevância e, desta forma, o Porto chamou as atenções do país para o esquecimento do artista.

libro de acuarelas de António Cruz

“António Cruz (…) é sem contestação possível o maior aguarelista português dos tempos modernos. Tirou a aguarela da banalidade para que a tinham arrastado Roque Gameiro e os aguarelistas portugueses. Deu-lhe grandeza, ressonância sinfónica; levou-a até atingir o valor de uma alta expressão sintética e afastou-a da superficialidade habitual. (…)” (Abel Salazar)

Manuel Vitorino

Manuel Vitorino

Jornalista

Nasceu no Porto (Portugal). Estudou História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e possui a Pós-Graduação em Direito da Comunicação, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Escreveu durante anos sobre cinema no jornal «O Primeiro de Janeiro» e depois, trabalhou quase 25 anos, no Jornal de Notícias. Depois da cidade, gosta do Futebol Clube do Porto,  mas também de caminhadas (adora o vale do rio Bestança, no Norte do País) e viajar pelo Mundo.
A Galiza é uma região onde gosta sempre de voltar e a Itália o seu destino de eleição. Adora Arte, música clássica, mas também música popular, cinema e ópera, museus, cidades com património. E escrever sobre as cidades, as suas gentes, gastronomia, culturas e tradições.

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